O Condutor

À saída do Alentejo sou tomada por uma breve e recorrente sensação...

É noite... o carro ladeia as estradas mal-alcatroadas da região onde cresci. Atrás os meus filhos dormem um sono tranquilo, embalados pela certeza de que "alguém" olha por eles.

É noite (sim... é noite), está escuro... as estradas são mal iluminadas. Nas bermas ergue-se o extenso pinhal e os meus sentidos indicam-me sempre a direcção do mar. Quase consigo ouvir a rebentação das ondas no extenso areal e os pinheiros e árvores de eucalipto num bailado dramático, embalados por essa música cósmica.

É noite (sim... é noite) está escuro... e uma breve e antiga sensação volta a assaltar-me o peito... tento não pensar nisso... abstrair-me com qualquer coisa... tentar calar esses fantasmas... ligo o rádio do carro.

É noite (sim... está escuro). Nem o rádio do carro consegue sossegar esta agitação.

O carro agora ruma noutra direcção e a certeza de que "alguém" olha por mim embala, o meu caminho. Fecho os olhos. Estou sentada agora no banco de trás e já não sou eu que conduzo nesta estrada. Sei que posso fechar os olhos embalada pelo balanço do carro e por umas mãos gentis que me afagam a testa e pela certeza de que no final do caminho chegaremos a casa.

É noite... está escuro... olho pelo espelo retrovisor. Os meus filhos dormem um sono tranquilo. Volto a tomar o comando do carro... rumo até casa.