O Condutor

À saída do Alentejo sou tomada por uma breve e recorrente sensação...

É noite... o carro ladeia as estradas mal-alcatroadas da região onde cresci. Atrás os meus filhos dormem um sono tranquilo, embalados pela certeza de que "alguém" olha por eles.

É noite (sim... é noite), está escuro... as estradas são mal iluminadas. Nas bermas ergue-se o extenso pinhal e os meus sentidos indicam-me sempre a direcção do mar. Quase consigo ouvir a rebentação das ondas no extenso areal e os pinheiros e árvores de eucalipto num bailado dramático, embalados por essa música cósmica.

É noite (sim... é noite) está escuro... e uma breve e antiga sensação volta a assaltar-me o peito... tento não pensar nisso... abstrair-me com qualquer coisa... tentar calar esses fantasmas... ligo o rádio do carro.

É noite (sim... está escuro). Nem o rádio do carro consegue sossegar esta agitação.

O carro agora ruma noutra direcção e a certeza de que "alguém" olha por mim embala, o meu caminho. Fecho os olhos. Estou sentada agora no banco de trás e já não sou eu que conduzo nesta estrada. Sei que posso fechar os olhos embalada pelo balanço do carro e por umas mãos gentis que me afagam a testa e pela certeza de que no final do caminho chegaremos a casa.

É noite... está escuro... olho pelo espelo retrovisor. Os meus filhos dormem um sono tranquilo. Volto a tomar o comando do carro... rumo até casa.

ESTAÇÃO DOS SONHOS


Cambalhota esvoaça diante si e ri em tom provocatório... dá mais uma cambalhota no ar...
- Estou cansada, não vez? Agora não tenho tempo para andar aí a flutuar -
enfia-se numa barquinha, onde pouco mais cabem do que as suas próprias pernas e... com um nó na garganta e uma angústia no peito inicia a sua viagem...
Cambalhota fica do lado de cá a olhar... lamentando que a amiga não tenha ficado hoje para brincar.
Hoje o rio está calmo... e uma ligeira brisa baila no ar, portanto só lhe resta esperar que as marés façam o seu trabalho e a conduzam até à outra margem... hoje parecem preguiçosas... avançam devagar... param, voltam para trás em vagas, depois avançam para retroceder mais uma vez.
- Assim nunca mais chegamos ao outro lado. Vá lá! Hoje não tenho tempo para brincadeiras... temos tudo a nosso favor: o vento, o tempo e até as margens hoje estão mais próximas uma da outra, por isso despachem-se!
- gritou ela num tom impaciente.
As marés lá se endireitaram e num convulsionar empurram a barquinha para o outro lado. Por instantes ela quase caiu na água. Isso hoje não seria de todo conveniente, pois hoje tinha um sério compromisso. Afinal de contas tinha contas a prestar, não fosse o facto de na vida paralela, não andar a cumprir com os seus devidos compromissos.
- Curioso - pensa - Hoje o vale vestiu o seu sóbrio manto de terra castanho argila, parece-lhe mais acentuado do que habitual… não está para grandes brincadeiras. Ainda bem, assim não perco tempo.
Olha para trás e ainda vê Cambalhota nas suas brincadeiras. Parece que arranjou um novo amigo.
E chegada finamente ao vale da sua vida, nada lhe parece familiar. - Estranho - pensa. Já lá esteve tantas vezes mas não se recorda de alguma vez de ter visto o vale desta forma.
Isto por vezes acontece. Porém, desta vez experimenta uma certa sensação de desconforto.
Estranhas construções foram erigidas junto ao castelo, com um telhado que mais se assemelha a um cogumelo. Qual é o significado disto, afinal?
Inquieta coloca os pés em terra. Nem acredita no que os seus olhos vêm. São cogumelos, de verdade! Cogumelos gigantes cresceram em redor do castelo!
- Não tenho tempo a perder - pensa - e começa a dirigir-se em direcção à floresta. - A seguir tento perceber o que se passa.
De repente, arrebatadoramente sente perder os sentidos, não tenta perceber o que se passou. Deixa-se embalar por essa vaga doce e dolorosa...
Algo a devorou.
Nunca mais acordou.
by: Sophiha
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TINY TEARS


(press PLAY to listen)

Tiny tears make up an ocean
Tiny tears make up a sea
Let them pour out, pour out all over
Don't let them pour all over me