VINDIMAS

Os rituais de Outono fazem parte de mim desde que existo…
Só, inicio a apanha dos frutos da minha vida (espero que sejam doces e suculentos)
fecho um capítulo e abro um novo livro

na minha ânsia de recomeçar faço o meu próprio funeral
sonho que sou fantasma
e como fantasma que sou inicio esse novo ciclo da minha existência

(e agora, um prenúncio de esperança cintila no escuro...)

GÁRGULAS

Ah, AH... Reflexões num claustro "habitado" por seres fantásticos


Estas espantosas figuras mitológicas, cujos olhos me seguem dissimuladamente (quando não estou a olhar) enquanto caminho sobre as pedras desgastadas deste claustro (tenho a constante sensação de estar a ser seguida), umas mais esvoaçantes, apesar de fitarem sempre o chão em tom de vigia, parecem-me voláteis. Apesar de serem de pedra calcária, não parecem ter sido concebidas em nenhuma matéria térrea. Dão-me a sensação de que estão prestes a lançar-se num voo olímpio.Outras sólidas são maciças, pesadas, ainda que na sua condição de seres perenes, condenadas a um misto de ser fantástico e humano que não pertence nem à terra nem ao ar, sujeitas ao desgaste do passado, do presente e do futuro, vendo muitas vezes os seus membros mutilados, mas mantende sempre a sua dignidade serena.Os seus murmúrios silenciosos recordam-me da minha própria mortalidade, ouço-as rirem-se de mim (na lembrança de outras pessoas que sob os seus olhos também já caminharam e que partiram há muito deste mundo).- Não estejam tão certas da vossa imortalidade - lembro-lhes eu. - Mas não vos pretendo humilhar enxertando-vos, injectando-vos com materiais indignos das vossa condição de seres voláteis. Deixo-vos morrer na vossa dignidade frágil e prometo cuidar dos vossos pedaços que jazem junto aos meus pés.Afinal de contas eu também assisto ao vosso fim, mas não me apetece rir.

SMITHS E PRÉ-ADOLESCÊNCIA

(press PLAY to listen)

Há uns anos atrás a minha irmã (eu com 12 anos, ela com 21) diria: lá estás tu a ouvir essa porcaria de música neuro-depressiva, caraças! Se assim fosse eu sentar-me-ia na minha cama a saborear chocolates e a ouvir impávida e serena a música, alheia às suas provocações e possivelmente responder-lhe-ia entre-dentes e sem lhe dirigir o olhar: eu gosto de música neuro-depressiva (o que é isso exactamente?).Entretanto tentaria tirar a letra da canção “Take me out” dos Smiths que iria acabar inevitavelmente por sair uma grande inglesada (que experiência tão, tão, poderei dizer “criativa”?). Os meus irmãos, todos eles substancialmente mais velhos que eu limitar-se-iam a gozar e a cantar-me as músicas segundo a minha interpretação, enquanto eu, protegida pelo lugar de maninha pequenina, dar-me-ia ao luxo de declamar patetices dos Smiths e do Lloyd Cole conforme bem entendesse. Haviam também os Violent Femmes, os Housemartins (Santo Deus, terá sido assim há tanto tempo que eu já não me consigo lembrar do seu nome?), os Proclaimers (estou a falar na minha pré-adolescência) e enfim… houve mais, muitos mais. (Se é verdade que a música define de certa forma algumas orientações pessoais, que raio de pessoa serei eu?).

LA LA LOVE YOU










(press PLAY to listen)